Especialista esclarece mitos e aborda detalhes do problema Nos anos 80 e 90, a banda Blitz lançou no Brasil um grande sucesso, "Bete Frígida". No contexto da música, "Bete" era uma moça esnobe, sem nenhuma sexualidade, com alterações afetivas. Talvez este sucesso tenha se dado, pelo fato da música abranger um tema tão polêmico. A partir desta época no país, começou a interrogação: o que é ser frígida?
Vários conceitos tentaram esclarecer o que seria a frigidez, algo como não gostar de sexo, ser assexuada e vários outros. Nos dias de hoje, temos como conotação de frigidez um termo amplo, sem significado, justamente por ter uma conotação ambígua e pejorativa. Começou-se então estudar a colocação da palavra e o que ela realmente significaria.
De acordo com a ginecologista e especialista em sexologia, Dra. Luciana Sereno França, hoje a "frigidez" é denominada como disfunção sexual feminina, ou alteração da função sexual, principalmente do desejo sexual, e esta disfunção se deve na maioria das vezes a bloqueios total ou parcial da resposta psico-fisiológica.
A resposta sexual feminina, segundo a especialista, se caracteriza pelo trinômio, desejo, excitação e orgasmo, e este bloqueio pode se inserir em qualquer uma destas fases. Quando se dá na fase do desejo, estamos diante de uma disfunção que chamamos de inapetência sexual, podendo ser conhecida como distúrbios da pulsão sexual ou distúrbios da libido. Parece ser esta alteração, nesta fase, a mais importante, pois é ela o início de toda a resposta sexual feminina. Já quando o bloqueio ocorre na fase de excitação, a disfunção está representada pela alteração na lubrificação vaginal. Se o bloqueio é na fase orgástica, consideramos como anorgasmia feminina.
A especialista esclarece que estatisticamente é difícil achar um exato percentual desta população, ou fazer um estudo randomizado desta população, pois além dos aspectos culturais, existe ainda uma série de preconceitos considerados fortes. Fato que dificulta de forma bem acentuada, a confiabilidade das incidências apresentadas, acrescenta.
Na rotina do consultório ginecológico, explica a médica, é uma queixa tão freqüente concorrendo com a leucorréia, os chamados corrimentos e alterações menstruais. Este fato se torna evidente à medida que as leucorréias e distúrbios menstruais já possuem um tratamento efetivo, pois as disfunções sexuais exigem uma abertura maior para serem expostas, compara.
Causas As causas de disfunções sexuais se classificam em orgânicas e psicológicas. "É difícil caracterizar qual disfunção é determinada por fatores físicos ou por fatores psicológicos". É importante, no entanto, salientar que nas dispareunias (dor nas relações sexuais) há um componente orgânico importante, assim como nos casos de vaginismo (dor na relação sexual por contratura involuntária da musculatura perineal) e de anorgasmia (ausência de orgasmo), na qual o comprometimento na maioria das vezes é psicológico.
Dentre as causas psicológicas, é preciso ressaltar as questões sócio-culturais (educação sexual castradora), fatores religiosos, tabus e crendices. Nas causas comportamentais, a médica destaca as vivências sexuais destrutivas, violências sexuais, medo de engravidar, experiências obstétricas traumáticas, relações diádicas inadequadas (diálogo limitado com o parceiro). Estas inadequações além de criarem um ambiente sexual destrutivo, com freqüência pioram a comunicação do casal.
É importante diferenciar bem as fases da resposta sexual, e identificá-las para uma correta instituição terapêutica, por exemplo, uma mulher durante o período do climatério pode estar com o desejo sexual adequado, o que não quer dizer que a fase de lubrificação estará também adequada. A apetência sexual é um fenômeno psicológico e nato do ser vivo, como a fome, a sede, e outros, enquanto a lubrificação é um fenômeno fisiológico.
Inapetência Segundo a sexologista, uns acham que "frigidez" é sinônimo de anorgasmia, para outros significa falta de excitação sexual e ainda tem os que agrupam todos os fenômenos da resposta sexual achando que "frigidez" é definida como a falta de desejo, de excitação e de orgasmo. Esta uniformidade terminológica contra-indica esta expressão na sexologia clínica moderna. É evidente que a apetência sexual varia de acordo com o grupo estudado e momento de vida desta sociedade. Alguns fatores influenciam diretamente neste contexto. Entre eles, é preciso destacar problemas econômicos, afetivos, culturais entre outros.
Assim, ratifica a especialista, "numa sociedade que explora o corpo da mulher e do homem como atrativos para venda de produtos de grandes empresas, numa sociedade que nos consome todo o momento com novos mecanismos erotizados, deixa pouco espaço para as fantasias sexuais próprias do indivíduo."
A inapetência pode ser caracterizada, como primária, secundária ou adquirida. Na inapetência primária consideramos aqueles indivíduos que nunca tiveram desejo sexual, comumente conhecido como assexuados. "É o modo de ser do indivíduo".
Já na inapetência secundária ou adquirida, o indivíduo tinha um desejo sexual constante, e de uma forma brusca ou lenta, este desejo deixou de existir. Normalmente isto pode acontecer após acontecimentos traumáticos, como as frustrações, decepções afetivas, e outras situações que causam angústia e tristeza, uso de drogas, como a cocaína, por exemplo, que apesar de ter um efeito excitante no sistema nervoso central, parece ter um efeito negativo no desejo sexual por lesar células nervosas condutoras de estímulos reflexos.
A especialista comenta ainda que é interessante como a inapetência sexual é encarada em alguns grupos sociais. Algumas mulheres, por exemplo, reagem desde uma aceitação passiva, emprestam o corpo para satisfação do parceiro, e outras de uma maneira geral, evitam o ato sexual, criando uma série de desculpas como costumamos conhecer, exemplo clássico disto, é uma dor de cabeça, "algumas chegam a ponto de criarem doenças psicossomáticas para justificarem o desânimo sexual".
História e Orientação Há mais ou menos 1.500 anos foi escrito um livro - "Kama Sutra" - com uma lista de receitas para melhorar o apetite sexual. Hoje se propõe afrodisíacos mágicos contendo a fórmula do interesse sexual contínuo, porém, "todos os métodos que aparecerem de forma milagrosa para o tratamento das inadequações sexuais, como receitas de bolo, estão fadados ao fracasso, uma vez que só terá algum sucesso a terapêutica voltada para aquele casal, ou a aquela mulher especificamente", comenta a médica.
De acordo com a médica, o ideal seria a orientação de um especialista, pois, o emudecimento sexual das pessoas torna a terapia difícil e duvidosa. "O Importante é avaliar quais áreas estão comprometidas no relacionamento, área da emoção, da cognição, da comunicação. Para uma boa resposta terapêutica, devemos seguir alguns tópicos importantes, como o esclarecimento, a abertura de diálogo, extinção de tabus e crendices, relaxamento e, às vezes, até os ansiolíticos para casos de grande ansiedade".
No que diz respeito às disfunções sexuais, resta ressaltar a maturidade da mulher, ou do casal, em encarar esta alteração, como sendo um fato situacional, sem encará-lo como um problema, se fechando e impedindo a melhoria do bem estar pessoal. "Uma conversa aberta, falando dos medos, das inseguranças, das frustrações, e o querer estar sempre com o outro, ajudando em seus conflitos pessoais, são muito importantes para uma vida feliz e plena, com realizações pessoais...", finaliza a médica.
Copyright © 2002 Bibliomed, Inc. 15 de Fevereiro de 2002.
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