Assediou a Giovanna, uma advogada jovem e bonita."
Gostei muito de falar com você. Seu jeito meigo me cativou.
Sei das grandes diferenças que existem em nossas vidas, mas posso lhe perguntar se não podemos almoçar juntos um dia desses? O que acha da ideia? Estou aguardando sua visita. Beijos."
DESEMBARGADOR PEDIA DINHEIRO POR "TORPEDOS"
Afastado sob suspeita de corrupção usava mensagens de celular para solicitar 'empréstimos' de até R$ 35 mil a advogadas
Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo, 05/04/2013
Uma sequência de 23 torpedos enviados para os celulares de duas advogadas de Campinas é indício contra o desembargador Arthur Del Guércio Filho, afastado cautelarmente da 15.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo por suspeita de corrupção. As mensagens foram redigidas no celular do próprio magistrado e endereçadas às advogadas Maria Odette Ferrari Pregnolatto e Giovanna Gândara Gai, de um escritório de Campinas (SP).
"Do TJ foram suspensos alguns pagamentos de férias atrasadas a que tenho direito e isso me deixou numa situação aflitiva", escreveu o desembargador Del Guércio, a 9 de maio de 2012, às 14h34. "Por isso me atrevo a perguntar se a sra poderia me emprestar R$ 35 mil por 60 dias, com o inconveniente que precisaria ser para amanhã."
Depois, insistiu. "Qualquer que seja sua resposta tenho certeza que nenhum de nós misturará as coisas, pois o pedido é pessoal, nada mais. Me desculpando pelo incômodo aguardo ansioso sua resposta. Abs."
Maria Odette, de 65 anos, integra o Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil em Campinas. Acumula 40 anos de experiência, como procuradora municipal e advogada. Por cautela, gravou as correspondências. "Fiquei muito indignada. Não emprestei dinheiro e não respondi", conta.
Dúvida. Ela defende uma pessoa jurídica em mandado de segurança relativo a questão de ordem tributária. No último dia 21 de março, Del Guércio ligou para o escritório de Maria Odette e pediu a ela que fosse ao seu gabinete, no prédio do TJ da Avenida Ipiranga, centro da Capital. "Ele disse que estava com dúvida sobre a perícia contábil", relata a advogada. "Fui à sala dele, mas ali não falou sobre dinheiro. Mal deixei o tribunal e veio torpedo."
"Dra, bom dia (eram 11h50)", iniciou o magistrado. "Depois que a sra saiu tive uma péssima notícia e constrangido gostaria de saber se poderia me ajudar. Amanhã entraria um pagamento do tribunal mas ele só será feito no dia 5 de abril. O valor é 19 mil e 800 reais. A sra poderia me emprestar esse valor até aquela data? Me desculpe pela amolação. Me dê um retorno, por favor."
Ao fim do texto, às 11h53, ele anotou. "Ah, já localizei o feito e o julgamento será simultâneo, mas sem qualquer relação com o meu pedido, creia." Às 17h52 ele cobrou. "Dra, alguma posição?"
"Tenho medo do que possa ocorrer com meu cliente, mas como não podia tomar providências?", argumenta Maria Odette, que segunda-feira foi à Presidência do TJ, denunciou o desembargador e entregou cópia da sucessão de torpedos.
Além de seu relato e do depoimento de Giovanna, confirmam a ação de Del Guércio outros três advogados a quem ele teria solicitado dinheiro.
Maria Odette disse que "nunca deu essa abertura" para que Del Guércio fizesse tal pedido. "Nunca vi uma coisa dessas e tem um agravante porque ele até assediou a Giovanna, uma advogada jovem e bonita."
Frustração. O assédio está em duas mensagens a Giovanna, de 31 anos. A primeira, a 9 de maio de 2012, às 12h12. "Gostei muito de falar com você. Seu jeito meigo me cativou. Sei das grandes diferenças que existem em nossas vidas, mas posso lhe perguntar se não podemos almoçar juntos um dia desses? O que acha da ideia? Estou aguardando sua visita. Beijos."
No dia seguinte, às 9h40: "Giovanna, bom dia. Você não me respondeu ontem. Te assustei?"
"É uma frustração grande", diz Giovanna. "A gente estuda, vai atrás de jurisprudências e aí você vê todo esse trabalho jogado no ralo. Ainda assim existem os bons e a gente acredita na Justiça. Talvez tenha acontecido com mais pessoas."
O criminalista José Luís Oliveira Lima, que ontem assumiu a defesa de Del Guércio, não comentou as acusações.
FOLHA.COM 06/04/2013 - 03h30
Suspeitas sobre juiz afastado eram conhecidas no tribunal desde 2006
FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO
As suspeitas que levaram ao afastamento do desembargador Arthur Del Guércio Filho do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre supostos pedidos de dinheiro a advogados são conhecidas pela cúpula do Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2006.
O presidente do TJ à época e dois desembargadores disseram à Folha que há sete anos já havia denúncias sobre condutas ilegais de Del Guércio. Um dos desembargadores da câmara de direito privado em que Del Guécio atuava em 2006, disse que, ante as suspeitas de irregularidades, colegas exigiram que ele abandonasse o colegiado, e em seguida ele pediu remoção para outra câmara do tribunal.
O desembargador aposentado Celso Limongi, que presidia o tribunal em 2006, afirmou que à época advogados levaram denúncias verbais contra Del Guércio. Limongi disse que iniciou uma apuração e chegou até a ouvir o desembargador. Porém, depois os advogados se recusaram a formalizar as acusações e não foi possível prosseguir na investigação, segundo o ex-presidente.
"Eu investiguei, e mais, chamei o desembargador [Del Guércio] e disse a ele que havia comentários sobre corrupção relativas a ele. Porém nenhum advogado quis prestar depoimento e aí eu não tinha a mínima prova", disse.
O desembargador aposentado Celso Limongi, que presidia o TJ em 2006, disse que foi informado sobre pedidos que teriam sido feitos pelo desembargador, começou a apurar o fato mas não achou advogados dispostos a testemunhar contra Del Guércio.
No mês passado, o advogado Clito Fornaciari Júnior relatou à atual gestão do TJ que fez uma denúncia contra Del Guércio em 2006. Naquele ano, a acusação foi feita ao então presidente da seção de direito privado do TJ, Ademir de Carvalho Benedito, segundo Fornaciari.
De acordo com o advogado, um cliente dele em um processo de inventário foi procurado por Del Guércio.
Na ocasião, o desembargador mostrou ao cliente "o voto que ia dar no caso" e disse: "Meu voto, você já viu, é aquilo mesmo, está muito bom, excelente, vou adotar, mas os outros membros da Câmara que não querem me acompanhar e pediram cento e vinte mil reais".
Benedito confirmou à Folha que recebeu o relato verbal de Fornaciari e em seguida comunicou a denúncia ao então presidente Limongi.
Segundo Benedito, "causou estranheza" o fato de a presidência do tribunal não ter iniciado uma apuração mais aprofundada sobre o caso.
Também ouvido pela reportagem, Limongi apresentou outra versão dos fatos. Disse que não foi comunicado por Benedito sobre a denúncia, mas ficou sabendo do suposto pedido de dinheiro por outra fonte.
Limongi disse que iniciou uma apuração sobre o fato, mas não encontrou nenhum advogado disposto a testemunhar sobre o ocorrido, e por isso nenhuma medida foi adotada à época.
Indagado sobre a versão de Limongi, Benedito manteve a afirmação de que comunicou a denúncia ao ex-presidente do TJ.
SOLUÇÕES 'DESCABIDAS'
Nas investigações iniciadas no mês passado, também foi colhido o depoimento do desembargador Gilberto de Souza Moreira, que em 2006 era colega de Del Guércio na 7ª Câmara de Direito Privado. Ele afirmou na investigação que o desembargador procurava outros magistrados para propor soluções "descabidas" em casos.
À Folha, Moreira disse que os outros desembargadores que atuam na câmara ficaram sabendo das suspeitas e exigiram que ele deixasse o colegiado.
Segundo o desembargador, após a pressão dos colegas, Del Guércio tirou férias e em seguida pediu remoção para outra câmara do tribunal.
A reportagem procurou ontem Del Guércio e seu advogado, mas eles não foram localizados até a conclusão desta edição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário